Lucas Penteado e Gil do Vigor se beijando. Arte: Reprodução/Tomaz Alencar/Diadorim
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Bifobia: A saída de Lucas Penteado do ‘BBB 21’ e o preconceito contra bissexuais

Esperava-se que Lumena, lésbica e negra, acolhesse Lucas, após o ator “sair do armário”, ao invés da atitude preconceituosa que ela tomou

Na madrugada de último sábado (7), durante uma festa no “Big Brother Brasil”, presenciamos uma cena inédita no programa televisivo: o primeiro beijo entre dois participantes homens, quebrando vários estereótipos presenciados até o momento. Mas o que seria um momento de alegria e festejo se tornou algo infeliz, que resultou inclusive na desistência de um dos participantes do programa.

O ator Lucas Koka Penteado, que até o momento não achou necessário expor sua bissexualidade no “BBB”, foi hostilizado, humilhado e sofreu preconceito de pessoas que se declaram LGBTIs nesta edição. Penteado foi vítima de bifobia, teve sua orientação questionada, foi taxado de oportunista por querer se utilizar da pasta da diversidade — como o acusou uma das participantes.

A situação que decorreu do beijo protagonizado por Lucas Penteado e o economista Gilberto Nogueira demonstra o preconceito ainda enraizado na sociedade brasileira e o abuso psicológico que o ator sofreu foi tão forte que o levou a abandonar o programa na manhã do domingo.

Precisamos debater sobre esse assunto.

Lucas Penteado, negro e periférico, se assumiu bissexual em um dos maiores programas televisivos brasileiro, em um país extremamente machista, misógino, racista e LGBTIfóbico. No entanto, os ataques que outra participante do reality show, a psicóloga Lumena Aleluia, mulher lésbica e negra, direcionou a ele, questionando sua orientação sexual, demonstram claramente uma bifobia muito presente na sociedade em geral, invisibilizando totalmente o participante.

Esperava-se que Aleluia, como lésbica e negra, acolhesse Penteado, após o ator “sair do armário” em rede nacional, ao invés da atitude criminosa e preconceituosa que ela tomou.

A psicóloga Lumena Aleluia, participante do BBB 21. Foto: Reprodução/TV Globo

Precisamos discutir a bifobia, uma vez que as pessoas bissexuais são esquecidas, taxadas de indecisas e confusas ou acusadas de estarem experimentando relacionamentos até se assumir gays ou lésbicas. A todo instante, bissexuais são obrigado pela sociedade a validarem sua própria orientação sexual, questionados de seus relacionamentos, perseguidos, fetichizadas e até mesmo marginalizados.

Essa atitudes impactam a vida das pessoas. Estudos mostram, por exemplo, que bissexuais tendem a demorar mais para se assumir e também sofrem mais abalos psicológicos. De acordo com uma pesquisa realizada pela Universidade La Trobe, 1 a cada 4 pessoas bissexuais já tentou suicídio.

A bifobia está tão internalizada na sociedade em geral, que a maior parte dela não reconhece a bissexualidade como uma orientação sexual válida. Mulheres bissexuais são vistas por muita gente como fetiche (ver duas mulheres juntos causa certo prazer a quem assiste) e homens bissexuais são a todo custo apagados (já que a sociedade heternormativa os enxerga como “afeminados demais” para um relacionamento com uma mulher, e para parte da comunidade LGBTI+, eles são “gays que estão esperando para sair do armário”).

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Desde 1990, o ativismo bissexual se depara com essas dificuldades — tanto que naquele ano foi publicado na revista americana “Anything That Moves” o manifesto bissexual, com assuntos que nos dias atuais já deveriam ter sido superados. O próprio texto contém o conceito de bissexualidade e os preconceitos decorridos por parte da sociedade: “Bissexualidade é um todo, é uma identidade fluída. Não assumam que a bissexualidade é naturalmente binária ou poligâmica, que nós temos ‘dois’ lados ou que precisamos de nos envolver simultaneamente com dois gêneros para nos sentirmos seres humanos completos. De fato, não assumam que existem apenas dois gêneros. Não interpretem a nossa fluidez como confusão, irresponsabilidade ou inabilidade de assumir um compromisso. Não equiparem promiscuidade, infidelidade ou comportamentos sexuais inseguros com bissexualidade. Estas são características humanas que atravessam todas as orientações sexuais. Nada deve ser presumido sobre a sexualidade de ninguém, incluindo a vossa.”

As atitudes que vimos no “BBB 21”, no domingo passado, nos trazem a seguinte reflexão: a bifobia que o participante Lucas Koka Penteado sofreu dentro do programa transmitido na televisão fez com que ele abandonasse o jogo. Mas se essas atitudes preconceituosas acontecem fora do reality show, como muitos casos de bifobia, as chances de algo pior do que deixar o programa, como atentar contra sua vida, são enormes. É essa a culpa que quem questiona a sexualidade dos outros participantes quer levar?

Na noite do domingo, quando comentava a saída de Lucas Penteado com os outros participantes do programa, o apresentador Tiago Leifer disse que faltou à casa estender a mão para o ator. Espero que essa fala e o choro de Lumena Aleluia ao ouvir o discurso de Leifer demonstrem reflexão e tragam compaixão a pessoas bissexuais.

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Thaís Boamorte

Advogada, bissexual, militante, 2ª secretária-adjunta da pasta Bissexuais da Aliança Nacional LGBTI+, coordenadora municipal da Aliança Nacional LGBTI+, em Ponta Grossa (PR).

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